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sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Criação do Setor Noroeste faz parte de contexto das discussões imobiliárias brasilienses e levanta controvérsias!

Afinal, o bairro será 'verde' ou causará impactos ao meio ambiente?
Especialistas e representantes do Governo embatem o tema



Vista aérea do Setor Noroeste. Construção do novo bairro gera discussões entre governo, setor imobiliário e ambientalistas (Monique Renne/CB/D.A Press )
Vista aérea do Setor Noroeste. Construção do novo bairro gera discussões entre governo, setor imobiliário e ambientalistas
 
A idealização do Setor Noroeste não é recente. Em “Brasília Revisitada”, de 1985-1987, projetos elaborados pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa já remetiam à concepção do local. Atualmente, o plano urbanístico de construção do bairro que contará com 44 superquadras não é o mesmo elaborado no fim dos anos 80. Com isso, a criação do setor levanta controvérsias. Enquanto o órgão governamental responsável pela licitação do local, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap), anuncia características de um bairro sustentável, denominado “cidade-parque” ou “ecovila”, especialistas destacam impactos ambientais decorrentes da construção do setor.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o local destinado ao Setor Noroeste constitui-se como a última área de mata virgem de cerrado do Plano Piloto de Brasília. Apesar do estabelecimento de exigências ambientais, a Terracap conta com a licença de instalação no local concedida pelo Ibama-DF.

Membro fundador do Instituto de Permacultura, Ecovilas e Meio Ambiente (Ipoema), e professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), Cláudio Jacintho questiona a criação do setor. “A questão do Noroeste nos remete a uma série de aspectos passíveis de reflexão. Inicialmente, a contradição latente de um bairro que se declara ecológico trazer impactos diretos ao ambiente, com total supressão de uma das últimas reservas de cerrado”, afirmou o membro do Ipoema. Para ele, um modo de vida e de habitação que venha a ser ecológico deve minimamente coexistir com a natureza que o cerca. “A aplicação do conceito de ecológico, no caso do Noroeste, evidencia exclusivamente uma estratégia de marketing, não condizente com a realidade do projeto. As ações em prol da sustentabilidade a que o bairro se propõe, não assumem um caráter profundo de mudanças nos padrões degradantes da construção civil, restringindo a paleativos que buscam apenas minimizar alguns dos seus impactos”, completou Jacintho.

O pesquisador propõe que, para um bairro ser sustentável, ele deveria não gerar lixo nem esgoto e aproveitar a água da chuva para uso racional da água e para recarga de aquíferos, tendo autonomia e efetividade para transformar esses impactos em ações positivas. “Enfim, o fato de se substituir descargas de dez litros por quatro e uma ampla área verde desértica por grama, não são suficientes na construção de uma cultura ecológica”. A missão do Instituto fundado também por Cláudio Jacintho é ampliar a participação da sociedade na construção de um modelo de sustentabilidade proposto pela Permacultura, prática que envolve o planejamento de ambientes sustentáveis.


Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), atestou as diferenças entre o projeto idealizado por Lucio Costa e o plano de construção em vigor. “As áreas que Lucio Costa delimitou eram cinco a seis vezes menores que as áreas que os últimos governos pespegaram aos planos urbanos de Brasília: especulação imobiliária pura, sem a menor fundamentação ambiental”, declarou o arquiteto. Flósculo afirmou que o Noroeste será construído sobre uma rara formação de aquífero, composta por uma reunião de bolsões do lençol freático do sistema Bananal, que alimenta o Lago Paranoá.

O pesquisador da UnB destacou, que além de causar impactos à natureza, a criação do local não prevê planos de recuperação dos elementos do ambiente. “Como pode pretender ser ‘ecológico’ se não tem plano de manejo do solo, da vegetação, de fauna e flora, se o cerrado é apenas substituído pelo gramado que é plantado sobre as grandes lajes de suas garagens subterrâneas?”, indagou. Além disso, segundo o professor, pode-se prever uma nova sucessão de modificações urbanísticas quando a área for habitada. “O impacto sobre o trânsito na Asa Norte e no Eixo Monumental será severo, pois seu acesso implicará necessariamente em enorme cirurgia urbana nos eixos de acesso por meio do Palácio do Buriti”, concluiu.

Índios
Outro problema em questão é o fato de o local ser residência, há mais de 30 anos, de dez famílias contendo cerca de 30 índios de cinco diferentes etnias que reivindicam a posse da terra e se recusam a sair do local que afirmam ser sagrado, chamado Santuário dos Pajés. Além disso, existem questões socioeconômicas que envolvem a criação do setor. Ao desalojar indígenas de lá, a venda de imóveis do bairro será destinada a segmentos de alta renda da cidade, com a promessa do metro quadrado mais caro de Brasília. Como solução para essa problemática, o professor Flósculo propôs pensar a ocupação do espaço adequando-o à reserva indígena do Santuário dos Pajés. “Sugiro a demarcação da área destinada, que deveria trazer um novo padrão de ocupação para todo o Setor Noroeste, como um grande Parque da Nacionalidade Brasileira, com a preservação efetiva do solo, das águas e do subsolo, e com a parcimoniosa construção de monumentos”, indicou o acadêmico.

Representantes do Governo minimizam conflitos sociais e impactos ambientas relacionados à criação do setor. A assessoria de comunicação da Terracap se pronunciou por meio de documentos que explicitam a posição do presidente do órgão, Antônio Gomes. “A juíza Gildete Silva Balieiro, da Vara de Registro Público do DF, proferiu sentença em novembro de 2008, considerando os índios invasores de terras públicas”, alegou o representante máximo do órgão, em janeiro de 2009, à época da inauguração do novo bairro. Os indígenas, que ocupam 12 hectares do Noroeste, continuam recorrendo na Justiça pela posse das terras. Segundo Gomes, “eles (membros do Santuário dos Pajés) estão perdendo todos os recursos, todas as ações na Justiça, o que nos faz acreditar que eles vão deixar a área por decisão judicial. Mas mesmo que eles permaneçam lá, nada impede que aconteça a venda das primeiras projeções e a construção dos primeiros prédios. A realidade é que esses índios, que querem R$ 75 milhões de indenização, sairão do Noroeste sem direito a nada”, declarou o presidente da Terracap por meio do documento.

No plano urbanístico do Setor Habitacional Noroeste, a Terracap se pronuncia de maneira sucinta quanto às razões para se considerar o setor como “ambientalmente correto”. Por exemplo, haverá a conservação e proteção dos recursos hídricos, “ao reduzir a descarga pluvial sobre o ribeirão Bananal, e o uso de água não tratada para as atividades de irrigação, lavagem e lazer dos espaços públicos”. Ou, ainda, de acordo com o plano, “haverá a valorização e proteção da biodiversidade por meio do aumento das áreas verdes e de um paisagismo que priorize as espécies nativas”. Questionada mais uma vez quanto à questão ambiental do setor e convidada a comentar as opiniões dos especialistas, a assessoria do órgão não quis se pronunciar sobre os impactos à natureza proporcionados pela construção do novo bairro.
 
 
Fonte: Redação - Lugar Certo Publicação: 21/04/2011

A Fuga dos Animais - Com o início das obras do Noroeste, bichos estão mudando de habitat e procurando outros locais do Plano Piloto

 
Caso apareça em sua casa uma cobra, uma coruja ou variadas borboletas, não se espante! Esses animais estão deixando a região do Setor Noroeste e procurando uma nova moradia. Para abrigar 40 mil pessoas divididas em 20 superquadras e 220 blocos de apartamentos, as primeiras derrubadas de árvores começaram a ser feitas e vários animais estão desabrigados. Dos 300 hectares que compõem o setor, apenas 58 ficarão preservados.
 
Moradores de regiões como Asa Norte, Setor Militar Urbano e Setor de Oficinas Norte já estão sentindo a presença dos novos companheiros de endereço. Em novembro do ano passado, por exemplo, uma capivara foi vista na 108 Norte, lembra a economista Patrícia Almeida. “Os animais que ficam à mercê dessa questão toda”, critica.
 
A aposentada Sandra Fayad, 61 anos, percebeu o aumento de animais que tem visitado sua residência, localizada na 713 Norte. Por ter na frente de casa uma horta e também o cultivo de plantas ornamentais, o seu quintal tornou- se um atrativo especial. Segundo ela, desde outubro, quando começaram as primeiras derrubadas de árvores no Noroeste, o jardim está movimentado de pássaros e borboletas e ela perdeu as contas da quantidade de diferentes espécies que têm aparecido. “Aqui só vinha borboleta branca, agora apareceu uma escura avermelhada muito bonita.” A goiana conta que vários pássaros têm tentado competir com o beija-flor que sempre foi assíduo freqüentador da casa. “Mas o beija-flor é bravo e não deixa os outros beberem sua água, por isso, coloquei uma vasilha no chão para as outras espécies utilizarem”, diz.
 
Pouca proteção
 
O motivo das “invasões” se deve a várias questões que vão além da diminuição brusca de área verde. O relatório de impacto ambiental feito em 2003, com modificações em 2008, prevê poucas medidas de proteção para os animais que viviam no local, tanto que o próprio texto admite que “a perda da área pode excluir imediatamente algumas espécies, se as mesmas forem raras”. Para protegê-las, o documento fala em murar o futuro Parque Burle Marx e isolar o fluxo de animais para as quadras do Noroeste. O relatório também sugere um monitoramento da fauna, e investimento em programas de manejo e manutenção. Porém, o texto é vago e não diz quando essas ações devem ser realizadas e se acontecerão. Por isso, até hoje nada do sugerido foi executado, mesmo com as obras já em andamento.
 
A bióloga Ana Paula Inglez, analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis no Distrito Fedederal (Ibama-DF), explica que, apesar de sugerido, o resgate de fauna em uma área como a do Noroeste não é necessário, uma vez que é pequena, dentro da cidade e a ocupação do terreno está ocorrendo de forma gradual, isto é, por etapas. “Estão usando trator, se fosse fogo, que destrói a vegetação em uma semana, aí sim, morreriam mais animais.” Para ela, toda construção tem impactos e a do Noroeste está dentro da normalidade, por isso, em um primeiro momento, os animais que ali viviam vão procurar outros abrigos, que podem ser ou não, um imóvel no Plano Piloto. Muita gente critica o Noroeste e mora em condomínio irregular, que tem muito mais impacto ambiental”, afirma Ana Paula.
 
Já o professor de geografia Valdir Steinke, da Universidade de Brasília, adota uma postura crítica em relação ao licenciamento ambiental conferido ao Noroeste. Segundo ele, justamente por estar dentro de um perímetro urbano, o cuidado com a área deveria ser maior. “Quando esses animais forem procurar refúgio o que eles vão encontrar? Construção. E as pessoas vão matar esses animais se eles chegarem à casa delas, é o nosso instinto de defesa. Vão sobreviver aqueles que conseguirem chegar ao Parque Nacional”, alerta.
 
Refúgio para as espécies
 
No intuito de traçar uma rota de fuga desses animais desabrigados no Noroeste, o relatório de impacto ambiental propõe um corredor ecológico, isto é, pontos de vegetação que os animais usariam como refúgio até chegarem ao destino final, como o Parque Nacional de Brasília, com 30 mil hectares preservados, o Parque do Guará, com 310 hectares, e a Área de Relevante Interesse Ecológico Santuário de Vida Silvestre do Riacho Fundo, com 480 hectares. 
 
 
O Parque Nacional, com 30 mil hectares preservados, é um refúgio natural
 
 
O problema é que o corredor imaginado é em linha reta, não circular, como o que realmente ocorre com as espécies em fuga. Além disso, a rota não leva em consideração importantes obstáculos, como o Autódromo de Brasília, no sentido do Parque do Guará e da ARIE de Riacho Fundo, e a Via Epia, em direção ao Parque Nacional, cujo fluxo diário é de 160 mil veículos. “Vários animais, como roedores e répteis, não vão conseguir seguir esse corredor, além das grandes distâncias, eles não conseguirão transpor esses obstáculos urbanos”, analisa o professor Valdir Steinke. “Colocar toda essa seta como corredor ecológico é extremamente pretensioso, no sentido Parque Nacional até pode ser, mas no sentido Asa Sul, com Eixo Monumental e estádio no meio, é impossível. Só os pássaros, e olhe lá”, completa.
 
Abrigo limitado
 
O próprio Parque da Cidade é considerado urbano e não tem finalidade conservacionista. O Burle Marx, apesar de considerado parque ecológico, tem um projeto parecido com o do Parque da Cidade, o que limita sua capacidade de abrigo da biodiversidade. “O Noroeste agia como uma ilha de preservação conectada a outras, onde o animal poderia se deslocar. Sem ele, há uma falha. E o primeiro impacto é esse, é o primeiro que se sente e que as pessoas que moram próximas à região vão sentir”, diz o professor.
 
Dentre as principais espécies encontradas estão morcegos, calangos, pássaros, cobras, roedores, gambás e cachorro-do-mato. “No começo, em outubro, novembro, a gente ainda via muita cobra, pássaro, hoje, com o campo limpo, os bicho já sumiram tudo”, conta Vicente Ribeiro, 46 anos, encarregado da drenagem de uma obra no Noroeste.
 
De acordo com Companhia de Polícia Militar Ambiental, em todo o DF está aumentando a apreensão de animais silvestres em locais domésticos. Em janeiro e fevereiro do ano passado, foram 90 apreensões, no mesmo período em 2010, esse número subiu para 120.
 
 

Memória
Confusão de órgãos
Desde 1997, quando começaram a ser produzidos os primeiros volumes dos 24 que hoje compõem o Estudo de Impacto Ambiental, o processo de licença já conheceu nomes diferentes do mesmo órgão, passou pela mão de vários analistas e especialistas e mudou de instituição de competência. Começou com o Instituto de Ecologia e Meio Ambiente do Distrito Federal, passou para a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, foi para o Ibama-DF e agora está aos cuidados do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF.
O relatório e estudos de impacto ambiental são feitos por uma empresa contratada pela Terracap, que é a responsável pelo empreendimento. Depois de concluído, esse estudo é utilizado para a liberação ou não da construção. Por isso, toda essas idas e vindas dos processos são responsáveis por essa confusão de licenças. Cada órgão culpa o outro por qualquer problema no relatório de impacto ambiental.
As duas licenças — prévia e de instalação — foram expedidas pelo Ibama-DF, mas quem está cuidando da área agora é o Ibram. “Se for constatado algum dano ambiental fora da licença preconizada, as obras podem parar a qualquer momento”, explica a analista do Ibama, Ana Paula Inglez.


Fonte: Matéria escrita por Flávia Maia e publicada no jornal Correio Braziliense em 04/04/2010

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